O Casamento Homoafetivo e o Novo Governo

Introdução

O resultado das eleições gerais de 2018 deixou muitos apreensivos com relação a uma possível revogação do direito ao casamento homoafetivo no Brasil.

Diante da preocupação demonstrada ao Cartório Colorado por diversas pessoas, pretende-se com o presente artigo informar e tranquilizar a população de forma objetiva a respeito do tema.

Assim, apresentaremos o histórico do direito e as razões pelas quais sua revogação, no atual estado constitucional e democrático, não é juridicamente provável.

O direito ao casamento por pessoas do mesmo sexo é garantido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e pela Resolução nº 175 de 14 de maio de 2013 do Conselho Nacional de Justiça.

Explicando o Direito ao Casamento Homoafetivo

Em 2011, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgarem a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, reconheceram a união estável para casais constituídos por pessoas do mesmo sexo. Nestes julgamentos, o STF reconheceu que o artigo 3º, inciso IV da Constituição Federal de 1988 veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor e que, nesse sentido, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua orientação sexual. Sendo essa, portanto, a razão de decidir (ratio decidendi). O STF concluiu que qualquer depreciação da união estável homoafetiva colide, por conseguinte, com a Constituição Federal.[1]

Os ministros do STF definiram que está excluído qualquer significado de artigo de lei que impeça o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Essa, assim, a decisão.

Estes julgados foram proferidos com efeito vinculante. O que significa que esta determinação deve obrigatoriamente ser seguida pelos demais órgãos do Poder Judiciário e pela Administração Pública direta e indireta nas esferas federal, estadual e municipal, o que inclui o Poder Executivo, do qual faz parte, entre outros, o Presidente da República (art. 28 da Lei 9.868/99 e § 2º do art. 102 da Constituição Federal).

O desrespeito à eficácia vinculante autoriza o uso da ação de reclamação por todos aqueles que forem lesados por ato público contrário ao entendimento firmado pelo STF.[2]

A Constituição Federal também afirma em seu art. 226 que a conversão da união estável em casamento deve ser facilitada.

O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, no julgamento do RESP 1.183.378/RS, decidiu que inexistem impedimentos legais à celebração de casamento entre pessoas de mesmo sexo, referendando, portanto, o casamento homoafetivo.

A partir destes julgados, em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), conforme a competência que lhe atribui o art. 103-B da Constituição Federal, editou a Resolução nº 175, firmando de forma expressa o direito ao casamento civil dos casais homoafetivos:

Art. 1º É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo.

Art. 2º A recusa prevista no artigo 1º implicará a imediata comunicação ao respectivo juiz corregedor para as providências cabíveis.

Por que a revogação do direito ao casamento homoafetivo não é possível?

A revogação do direito ao casamento homoafetivo não é juridicamente possível.

No atual estado constitucional e democrático, as decisões e fundamentos jurisprudenciais do STF em sede de controle concentrado de constitucionalidade, que decidem se um ato normativo é ou não constitucional (se está ou não de acordo com a Constituição Federal), tem efeito vinculante, não sendo provável que a situação do não reconhecimento da união homoafetiva volte a valer.

Considerados os fundamentos da decisão do STF, apenas o próprio Supremo Tribunal Federal poderia mudar o entendimento. Nem mesmo eventual emenda constitucional teria esse poder, já que a decisão do Supremo está alicerçada em direitos fundamentais, os quais constituem cláusulas pétreas, ou seja, não podem ser suprimidos nem por emenda à Constituição.

Detalhando: existem dispositivos na Constituição Federal que não podem ser alterados ou desrespeitados de forma alguma, nem mesmo por Proposta de Emenda à Constituição (PEC), pois são imutáveis. São as chamadas cláusulas pétreas. O art. 60, § 4º da CF/88 que dispõe sobre elas, determina que “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; e os direitos e garantias individuais.”

Por fim, tal revogação do casamento homoafetivo representaria uma verdadeira afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III da CF/88), princípio base norteador de todo o ordenamento jurídico brasileiro, que não pode ser negado a determinado grupo de pessoas em razão de sua orientação sexual, considerando que a igualdade de tratamento a todos os cidadãos é um dos mais importantes elementos do referido princípio.

Ressalta-se que já houve tentativas de retirada dos efeitos da Resolução nº 175 do CNJ antes, que não lograram êxito. Como por exemplo, o projeto de Decreto Legislativo nº 106 de 2013, de autoria do Senador Magno Malta, que objetivava sustar os efeitos da Resolução para proibir o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Sobre o projeto, o Senado Federal abriu uma consulta pública, onde 425.888 pessoas votaram pela não proibição e 28.316 votaram pela proibição.[3] E o mandado de segurança coletivo impetrado perante o STF pelo Partido Social Cristão (PSC), logo após a edição da Resolução nº 175, objetivando retirar a validade da norma e suspender sua vigência. O PSC alegou, principalmente, que o CNJ não teria competência para editar uma resolução com força normativa. Neste processo, o ministro relator afirmou que a Resolução está de acordo com a Constituição Federal e com a jurisprudência do STF e do STJ, que o CNJ possui competência para editar normas com força de lei, que a Resolução nº 175 não fere nenhum direito líquido e certo do PSC e que não cabe mandado de segurança contra lei em tese. O processo foi extinto sem resolução de mérito. Veja-se, portanto, que quando provocado, o STF tem reafirmado a constitucionalidade da união homoafetiva, o que confirma a baixa probabilidade de mudança de entendimento.

casamento homoafetivo

Conclusão

Entendemos que diante do ambiente e resultado das eleições gerais de 2018, as preocupações são compreensíveis.

Porém, por todo o exposto, não há indícios de que haverá algum retrocesso na dinâmica do casamento homoafetivo.

Acreditamos, com estas breves considerações, ter amenizado as preocupações relacionadas ao tema em voga.

Reiteramos nosso permanente apoio à igualdade de direitos entre todos os cidadãos, independentemente de qualquer característica individual.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988.

Diário Oficial da União. Brasília, DF, 05 out. 1988. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm.

Acesso em: 07 de novembro de 2018.

BRASIL. Código Civil de 10 de janeiro de 2002. Planalto. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 07 de novembro de 2018.

Decisão do STF em Mandado de Segurança Coletivo impetrado pelo Partido Social Cristão. 2013. Disponível em: http://stf.jus.br/portal/diarioJustica/verDecisao.asp?numDj=103&dataPublicacao=03/06/201

&incidente=4411302&capitulo=6&codigoMateria=2&numeroMateria=80&texto=4418708. Acesso em: 07 de novembro de 2018

Notícias STF. 2011. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178931. Acesso em: 07 de novembro de 2018.

PDS 106/2013. Consulta Pública. Senado. 2013. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/ecidadania/visualizacaomateria?id=112745. Acesso em: 08 de novembro de 2017.

STF – RTJ nº 187/151, rel. Min. Celso de Mello, Pleno

[1] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178931. Acesso em: 07.11.2018

[2] http://stf.jus.br/portal/diarioJustica/verDecisao.asp?numDj=103&dataPublicacao=03/06/2013&incidente=4411302&capitulo=6&codigoMateria=2&numeroMateria=80&texto=4418708. Acesso em: 07.11.2018

[3] https://www12.senado.leg.br/ecidadania/visualizacaomateria?id=112745. Acesso em: 08.11.2018

Casamento Colorado

O Casamento Colorado é uma unidade do Cartório Colorado especializada em casamentos.